“Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.
Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;
E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa.” (Matityahu/Mateus 5:38-40) existe na lei mosaica a cláusula do “olho por olho, e dente por dente”:
“Olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé,
Queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.” (Shemot/Êxodo 21:24-25).
Aqueles que são contra a Lei do ETERNO afirmam: “Yeshua anulou a Lei, pondo fim à crueldade desta, que preconizava olho por olho e dente por dente”. O primeiro erro desta colocação está na incompreensão do que significa “olho por olho e dente por dente”. Equivocadamente, pensam os cristãos que na época de Moisés o ETERNO autorizava que alguém arrancasse o olho do outro, em pleno ato de selvageria.
“Olho por olho e dente por dente” não pode ser interpretado literalmente, pois se trata de uma expressão idiomática que simplesmente quer dizer: se alguém cometer um dano contra outrem, deverá compensá-lo por meio de uma indenização proporcional ao prejuízo. Em outras palavras, se em uma briga X arranca o dente de Y, este último terá direito a receber uma compensação financeira correspondente ao dano injustamente sofrido.
Atente para o entendimento rabínico:
“Segundo o Talmud, na verdade, o Legislador não quis dizer ‘olho por olho’, e aqui vamos dar dois exemplos para demonstrar que sua aplicação nem sempre é possível. Supondo que Simão tenha só um olho e que, numa briga com Rubem, este o tire, ficando Simão completamente cego, não se faria justiça tirando um olho de Rubem; o castigo seria insuficiente, pois cegou completamente um homem e ele (o que cegou) não ficou cego. Vejamos o caso contrário: Simão, que tem um olho só, tria um olho de Rubem. Se, para castigar Simão, Rubem lhe tira o seu único olho, ele ficará cego, e desta forma o castigo não terá a mesma proporção do delito, porque Simão não cegou completamente Rubem. Por tanto, essa lei chamada de ‘Lei de Talião’ não tem o sentido que se lhe atribui, senão que é uma questão de danos e prejuízos, na qual aquele que danifica sofre ou paga segundo o critério dos juízes.” (Torá – a Lei de Moisés, sefer, 2001, página 222).
Em sentido idêntico ensina o historiador Geza Vermes:
“É quase desnecessário lembrar que no ensinamento pós-bíblico, Ex 21,24 não era interpretado literalmente como exigindo que um dano correspondente fosse infligido à pessoa culpada de causar injúria corporal. Uma vingança sangrenta era substituída por uma compensação monetária judicialmente estabelecida. Josefo conhecia este procedimento (Ant.iv. 280), e este princípio é pressuposto na Mishná (cf. mBQ 8,1). A Mekhilta de Ex 21,24 (III, 67) equaciona simplesmente ‘olho por olho’ com mamon, isto é (olho-) dinheiro (sic). Os Targums palestinianos oferecem uma paráfrase muito clara: ‘O valor de um olho por um olho; o valor de um dente por um dente; o valor de uma mão por uma mão; o valor de um pé por um pé’, etc.” (A religião de Jesus, o Judeu, Imago, 1995, páginas 40 e 41).
De posse deste conceito, releia as palavras do Mashiach em Mt 5:38-40 e perceberá que este ensinou que seus discípulos, quando injustiçados por alguém, não deveriam exigir a compensação financeira do dano sofrido, mas sim “oferecer a outra face”, isto é, demonstrar bondade a seus devedores e nunca buscar a vingança.
Destarte, Yeshua não aboliu o sistema judicial de reparação de danos (“olho por olho”), mas recomendou que seus talmidim não buscassem se vingar de seus ofensores, tal como diz a Torá:
“Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou YHWH.” (Vayikrá/Levítico 19:18).
Segue o mesmo vetor o magistério do rabino John Fischer:
“O ponto de Yeshua aqui enfatizado é a resposta adequada para o insulto de ‘levar um tapa na cara’. Uma pessoa não deve buscar a reparação ou retaliação, mas suportar o insulto humildemente. Com isso, os rabinos concordaram e aconselham que quem recebeu um golpe na face deve perdoar o ofensor, mesmo que ele não peça perdão (Tosefta Baba Kamma 9:29f). O Talmud elogia a pessoa que aceita ofensa sem retaliação e se submete ao sofrimento e ao insulto alegremente (Yoma 23a)” (Jesus through jewish eyes: a Rabbi examines the life and teachings of Jesus, Rabbi John Fischer).
Aliás, o dar a outra face não é uma inovação de Yeshua, pois tal ensino já consta do Tanach (Primeiras Escrituras):
“Dê a sua face ao que o fere; farte-se de afronta.” (Eichá/Lamentações 3:30)
Comprova-se, pois, que o Mashiach não anulou a Torá, mas lhe teceu lições com fundamento nas Primeiras Escrituras.